terça-feira, 11 de novembro de 2008
CRIANÇARTE
A criança trabalha.
Arquiteta sua arte com areia e água. Água e sal. Brinquedos. Trabalha com o sol, com o vento e com os aromas. Sua arte possui uma estética própria. Não se prende às regras ou convenções. Constrói para desconstruir e recomeçar.
Do castelo surgem cidades, alegrias, mares e pontes. Sonhos que guiam a breve brincadeira. Depois de sonhar, desconstruir e recomeçar. Não importam as opiniões, - “Que lindo!”, “Esse tá feio, faz de novo” - o sentido é apenas o jogo de fazer e desfazer. Sem linhas retas. Sem princípio nem fim. Sem deus nem dúvidas. Livre de conceitos ou pretensões. Apenas criar. Divertir-se. Preencher-se. Viver.
Ama sem racionalizar o amor. Vive sem saber que morre. Aprende sem saber que ensina. Ilumina inconsciente de sua luz. É rei na sua anarquia. Paz sem sombra de guerra.
O mundo do concreto ainda lhe é estranho. Seu contato maior é com o mundo dos sentidos. Com o sensorial. Que lembranças ainda trará do mundo uterino? Quais sobreviverão à permanente erosão causada pelas chuvas de opiniões externas? Quais sucumbirão?
Sua brincadeira é arte. Liberdade. Dionísio sem Apolo. É Hermeto e seus experimentos. Van Gogh e suas tintas. Seus amarelos. Tom Zé e seus instrumentos. A roda de Duchamp. As pedaladas de Robinho. A pedra no caminho de Drummond. Não há perpetuação. Nada está estabelecido e a beleza é um momento fugaz. Despretensioso. Lança mundos em um mundo que não se sabe mundo. Um universo paralelo. Um paraíso artificial.
Chegará o dia da expulsão do paraíso do livre pensamento e ela será condenada a vagar pelo mundo dos pensamentos pré-concebidos? Trocará sua livre expressão pelo raciocínio pré-estabelecido pelas religiões, ideologias e os grandes meios de irracionalização? Ou conseguirá matar o minotauro da ganância e, guiando-se pelo novelo da evolução, escapar do labirinto do individualismo e da ignorância?
De suas decisões depende o mundo. A nossa esperança de futuro. “Vinde a mim as criancinhas”. Só um mundo formado pela autonomia da imaginação infantil será capaz de sobreviver. De lançar novas alternativas ao modelo arcaico dessa socialização violenta sempre em busca da homogeneidade. De varrer as teias de aranha do mundo uniforme das guerras e destruições e plantar as sementes de gentileza e diversidade.
Como um Deus criança, ela brinca de criar. Cria significante e significados. Céus e estrelas. Amigos e seres. Fonemas e ritmos. Mágicas e receitas. Transforma a panela em chapéu, a areia em castelo, bicho em gente, idoso em criança, açúcar em sal, meia em bola.
Os adultos observam.
Brincam de pais. Brincam de educar. Brincam que a vida é séria e que a idade, por si só, traz sabedoria.
A criança ri.
Leandro Luiz Rodrigues
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